Letícia Manzan comemora uma década à frente de sua marca de luxo, um marco que representa não apenas resistência, mas também inovação. Sua trajetória é um exemplo de como manter uma marca de alta costura no Brasil, enfrentando desafios como a pandemia e se adaptando às mudanças constantes do mercado, sem abrir mão da exclusividade e da excelência que definem a marca.
Em uma conversa sincera sobre os altos e baixos de sua jornada, Letícia compartilha os momentos mais decisivos, a evolução do comportamento do consumidor e como, com uma visão única, conseguiu equilibrar tradição e inovação. Ela fala ainda sobre a parceria com a Swarovski e o futuro promissor da Manzan, que continua a se consolidar no mundo da alta costura, ao mesmo tempo em que amplia seu alcance por meio de coleções casuais que tornam o luxo mais acessível.
Neste bate-papo, Letícia revela o segredo por trás das suas peças, que combinam bordados deslumbrantes, modelagem impecável e uma identidade inconfundível, conquistando mulheres com estilos variados, de celebridades a clientes que buscam exclusividade.
Manter uma marca de moda de luxo no Brasil por uma década é um feito raro. Qual foi o momento mais crítico da Manzan e o que fez a diferença para a marca sobreviver e crescer?
Sem dúvidas, o momento mais raro e complicado que a Manzan passou nesta década de existência foi a pandemia. Como sabemos, tudo parou, principalmente os grandes eventos. E como uma marca de luxo muito conhecida pelos vestidos sob medida e de festa, tivemos momentos desafiadores nos quais realmente os sonhos foram paralisados. Tivemos que nos reinventar. E neste momento, percebi a força que a marca tem. As pessoas esperaram poder voltar a fazer festas, mas não deixaram de usar Manzan. Pelo contrário, começaram a usar e conhecer ainda mais o lado casual da marca. Foi assim que nós sobrevivemos à pandemia e crescemos ainda mais com nossa coleção casual.
A moda enfrenta desafios como a alta dos custos de produção, mudanças no comportamento do consumidor e concorrência internacional. O que você enxerga como a maior ameaça para marcas autorais hoje e como a Manzan se protege dessas instabilidades? Você se sente ameaçada pelas gigantes chinesas, por exemplo?
Diferentemente do que as pessoas pensam, eu amo a alta concorrência. Eu acredito que é através dela que você se renova e não se acomoda. O principal é que não existe concorrência chinesa para quem tem a sua própria identidade. Claro que você precisa entender melhor o seu público. Não adianta tentar vender e comunicar com a pessoa que consome a marca chinesa, pois essa pessoa não vai consumir o seu produto. O grande diferencial da Manzan para superar todas essas concorrências, especialmente as chinesas, é o trabalho manual e explicar que o produto que fazemos não tem concorrência. Não só o casual, que é elaborado, com bordados e tecidos de seda pura, mas também o sob medida, que entrega o que o mercado não consegue fazer: exclusividade.
Você trabalha com um grande time de costureiras e equipe, algo cada vez mais raro na indústria. Como garantir que esse modelo de produção se mantenha viável financeiramente sem comprometer a excelência do acabamento?
Quando as pessoas me perguntam qual é o grande segredo da Manzan, faço questão de dizer que é o time. Grandes marcas já se lançaram no mercado nesses 10 anos e não sobreviveram. Nosso diferencial está em ter fábrica própria. Ou seja, tudo é costurado e bordado pela equipe Manzan. É mais caro? Sim, porém, temos um controle de qualidade muito próximo do processo produtivo. Esse, com certeza, é um dos diferenciais da nossa marca hoje.
A alta costura exige tempo e precisão, mas o mercado está cada vez mais acelerado. Como você equilibra as necessidades de exclusividade com a pressão por prazos curtos e coleções frequentes?
Esse é o grande desafio da minha carreira hoje: equilibrar todos esses pratos. De um lado, tenho a Letícia Manzan, estilista de alta costura, que faz sob medida personalizado e exclusivo para cada cliente. Do outro, preciso entregar várias coleções ao ano. Então, decidi que sim, continuaremos com os dois caminhos, que são diferentes, mas que um precisa do outro. Porque assim, um fortalece o trabalho do outro. O importante não é só fazer o vestido de alta costura para o momento especial da cliente. Hoje, para nós, essa exclusividade é um diferencial. Mas é mais importante ainda participar de vários momentos da vida dela, como o trabalho ou o lazer. Isso só é possível com a coleção casual. Eu me adaptei ao timing de produzir várias coleções, filtrando isso. Temos duas macro coleções que lançamos, ou em abril ou em outubro, e depois faço mini coleções a cada três meses.
Poderia nos contar sobre sua estrutura hoje em relação a vendas no atacado? Com quantas pessoas você trabalha atualmente?
Hoje, temos a estrutura própria de fábrica montada em Uberlândia. Recentemente, até fizemos uma expansão, separando a loja da fábrica para que ela crescesse de forma mais profissional e para termos uma linha de produção melhor organizada. Temos loja própria em Uberlândia, loja própria em São Paulo e um trabalho muito dedicado nas vendas no atacado. O atacado Manzan é trabalhado de maneira diferenciada, muito próxima do cliente. Nós escolhemos onde gostaríamos de estar, e esse trabalho me deixa muito satisfeita, pois faz com que a marca tenha uma viralização muito maior, tanto no Brasil quanto fora dele. Hoje, temos pontos de venda no Brasil que vão do extremo norte, como Manaus, até o sul, como Maringá. Vendemos também em várias cidades dos Estados Unidos, na Nova Zelândia, em Taiwan, e isso me deixa muito feliz.

Vender para o exterior é o sonho de muitas marcas brasileiras, mas poucas conseguem se firmar lá fora. Qual foi o maior obstáculo da Manzan na internacionalização e o que você aprendeu sobre conquistar consumidoras fora do Brasil?
Vender no exterior é realmente o sonho de muitas marcas, mas é muito desafiador. O maior obstáculo da Manzan hoje para vender fora do Brasil é, com certeza, equilibrar o desejo da brasileira com o desejo das outras mulheres do mundo. Quando você faz um produto global, tem que parar de pensar apenas no mercado brasileiro e começar a entender como as japonesas se comportam, como as europeias se vestem, como as americanas se comportam. O maior desafio é fazer um produto que o mercado brasileiro, que é extremamente exigente, continue consumindo e desejando, mas que também atenda o mercado internacional.
A moda grifada sempre foi associada a peças únicas e atemporais, mas hoje há uma pressão pelo consumidor consciente e sustentável. Como você enxerga esse dilema e quais passos a Manzan já deu nesse sentido?
Nós temos um processo produtivo 100% controlado. Dentro dele, a sustentabilidade é um ponto-chave, onde não há desperdício. Tudo é feito personalizado, basicamente com a cliente direcionada. Não fazemos grandes quantidades de roupas. Tudo é pensado e personalizado de acordo com uma quantidade específica de pessoas. Isso vai desde o aviamento ao tecido, para que a gente tenha a menor perda possível. Essa preocupação com a consciência e a sustentabilidade são, sim, de extrema responsabilidade da marca.
O que faz um vestido Manzan ser reconhecido à primeira vista? Existe um elemento da sua modelagem ou dos seus bordados que você considera sua assinatura definitiva?
Um vestido Manzan é reconhecido pelo bordado. Hoje, fazemos vestidos que não têm bordado, mas o bordado Manzan é um grande diferencial pela mistura de pedras e texturas.
Vestir uma celebridade significa ter uma peça vista por milhões de pessoas. Houve alguma situação em que um look seu causou um impacto inesperado ou virou assunto de forma surpreendente?
Quando uma celebridade vai fazer uma grande aparição em tapetes vermelhos, a expectativa sobre o vestido aumenta. E sim, temos vários looks que causaram impacto, como, por exemplo, o vestido de noiva do segundo casamento da Ana Hickmann, que parou o país, com todo mundo querendo saber quem foi a estilista e como era esse vestido. Temos grandes marcos, como também o look da Ana Castela no red carpet do Grammy. Ela estava toda de bordado, mas com um chapéu na cabeça.
Suas peças são usadas por mulheres de estilos muito distintos, de Anitta a Ana Castela. Como você mantém a identidade da marca ao criar para personalidades tão diferentes?
A identidade da marca é uma só. Há preocupação absoluta com modelagem e com o brilho de forma personalizada para cada cliente. Dentro disso, faço a leitura da identidade da cliente, sem perder as características principais da marca.
Você começou sua carreira muito jovem e contrariou as expectativas da sua família para seguir na moda. Hoje, olhando para trás, qual foi a decisão mais ousada que tomou e o que definiu seu caminho?
Eu, como uma menina de uma família trabalhadora de Uberlândia, interior de Minas Gerais, de repente decidi fazer moda. Não queria ser apenas uma estilista. Queria lançar algo diferente no mercado, um produto único e um case de marca que fosse diferente, não só no Brasil, mas também no mundo. Hoje, tenho certeza de que a minha decisão mais ousada foi juntar todo o meu dinheiro do primeiro estágio e do meu primeiro ano de trabalho para estudar em Milão e, de lá, entender o que significa um processo criativo de coleção. Com certeza, foi a decisão mais ousada que tomei e fez toda a diferença na minha carreira.
A parceria que você fez com a Swarovski no ano passado foi um ponto de virada para você ficar mais conhecida. O que mudou de um ano para cá?
A Manzan Brand mudou completamente depois da parceria com a Swarovski, porque recebeu a chancela da maior marca de cristais austríacos. Eles reconheceram que meu trabalho na América Latina é único. Outro ponto importante é que firmamos ainda mais a ideia da Letícia Manzan como a fada madrinha realizadora de sonhos. Porque a coleção da Swarovski é um grande sonho.
A linha casual da Manzan tem crescido e se tornado um fenômeno de vendas. Você acredita que o futuro da marca passa por essa democratização do luxo ou a alta costura sempre será o coração da Manzan?
Eu acredito que a democratização do luxo, sim, vai aumentar cada vez mais na Manzan, e é o que eu amo. Porém, a alta costura nunca vai deixar de existir e sempre será o coração da Manzan. A alta costura será a cereja do bolo, mas teremos outras camadas de mulheres maravilhosas também usando e realizando o sonho de ter acesso a ela através da democratização do casual. E isso está tudo bem e, na verdade, é o que eu mais amo. Saber que mais e mais mulheres poderão ter acesso à marca.
Dez anos de marca representam um marco importante. Onde você quer que a Manzan esteja nos próximos dez anos? Existe algum sonho ou conquista que ainda falta para você riscar da lista?
Com certeza, nesses dez anos, realizei grandes sonhos como empresária à frente da Manzan, mas ainda tenho uma lista a ser conquistada. Desbravar o mundo e ter mais e mais acesso a mulheres importantes por todo o mundo é um grande sonho. Também tenho muita vontade de, muito em breve (espero não demorar dez anos), materializar meu sonho de ter nossa ONG pelo Brasil, empoderando mulheres.