Muito se fala sobre as consequências do bullying vivido durante a infância e a adolescência, mas e os resquícios vivenciados na vida adulta? Para falar sobre o tema, chamamos a psicóloga e psicanalista, Blenda Oliveira, que alertou sobre a importância de cuidar da saúde mental para não ficar com tantos traumas. Veja os detalhes:

Fenômeno entre pares

Primeiramente, a palavra bullying, de origem inglesa, estava associada a uma conotação positiva, pois bully era “o amigão”“o companheiro”“o corajoso”. Depois, quando o psicólogo norueguês, Dan Olweus, passou a estudar o fenômeno em 1970, o termo passou a ter o significado como conhecemos atualmente. Isto é, uma manifestação de intimidação. “É sistemático, ou seja, acontece o tempo todo, se repete, a frequência é grande e intencional, e tem, como característica, quase que criar um cerco diante do alvo que sofre a agressão”, detalha.

E por que este tipo de opressão diz mais respeito sobre as escolas, crianças e adolescentes? “Porque está muito associado a um fenômeno entre pares mais ou menos da mesma idade. Todos são alunos da escola. Já quando falamos de assédio moral, faz alusão a uma hierarquia entre o maior e o menor, neste caso, no trabalho ou mundo corporativo. Porém, o bullying é usado para definir o fenômeno na adolescência e na infância”, esclarece.

Como o bullying afeta a saúde mental do adulto?

Nos casos em que não se trabalha o bullying na época em que acontece, dependendo da gravidade e do tempo que a criança e/ou adolescente viveu esse sofrimento, consequências podem surgir na vida adulta. “Então se alguém vivencia isso – o que acontece com muitos – sem nunca ter conversado sobre ou contado com alguma ajuda, anos podem se passar, e as dificuldades provocadas pelo bullying continuarão presentes através de questões, como a autoestima, uma hipervigilância e muitas vezes, da ansiedade”, conta a especialista.

Desdobramentos

Ademais, há dois tipos de desdobramentos no comportamento. “A pessoa vai encontrando, às vezes, no seu caminho, indivíduos, seja na faculdade ou no trabalho, que quase que representam aqueles agressores lá de trás, e, assim, revive o bullying da infância e/ou adolescência, na idade adulta. E tende a experimentar uma outra consequência. A vítima passa a ter uma forma de lidar com os outros que é, às vezes, autoritária, controladora. É quase como se elas reproduzissem o agressor nelas próprias”, explica.

E continua: Então há duas formas de repercutir. Você pode ter essa pessoa que se torna mais controladora, mandona e autoritária. Mas, também existe aquela que está sempre com medo, apavorada com críticas e indo atrás de alguém que diga que o que está fazendo está bom. Ou seja, as consequências são muito sérias. A mesma cria uma sensibilidade, ao nível de, se receber uma crítica construtiva, algo simples pode virar um input para surgir uma situação emocional de choro, de medo, de querer ir embora daquele lugar. Então nem sempre o que ocorre tem essa proporcionalidade, mas é sentido dessa forma, porque, inclusive, no bullying, uma das características é a desproporcionalidade, pois no cenário, há uma diferença muito grande de poder”.

As consequências nos relacionamentos amorosos

Dessa maneira, quem foi vítima de bullying tende a encontrar pares que, de alguma forma, reproduzem um certo domínio sobre ela, a diminui, a deprecia – o que chamamos, hoje, de relações tóxicas. E assim também é nos relacionamentos. “Na relação amorosa, isso também ocorre, no sentido de alguém se colocar numa posição de ser comandado e que tudo o que o outro diz o faz criar dúvidas a seu respeito – e aí isso tem a ver com baixa autoestima, um problema de autoimagem e autoconfiança baixa. Ou o mesmo pode entrar na posição do dominador, se identificar com esse agressor que o feriu algum dia”, ilustra a profissional.

Quais são os sinais?

Sendo assim, muitas vezes, um transtorno mental pode ser um sinal do que não se trabalhou no momento em que tudo acontecia. “Quando ela vai voltando para trás, ela lembra do bullying, que não era uma coisa que estava presente na consciência dela, mas que está ali, marcado. Então as pessoas começam a falar daquilo que sofreram quando crianças ou adolescentes, e aí você vê, claramente, que está absolutamente vivo dentro delas. Então há quadros de depressão, estresse pós-traumático, ansiedade, e várias coisas que vão ocorrendo em função desses acontecimentos que não foram nunca mexidos, revividos e resolvidos de alguma forma”, exemplifica.

Ademais, não apenas condições mentais fazem parte dos sintomas, mas atitudes mais simples do dia a dia: “Eu noto a dificuldade de estar em grupos, um certo isolamento, uma certa fobia de muitas pessoas juntas, porque é sempre um receio de julgamento, de uma avaliação. Não consegue, muitas vezes, tomar a iniciativa de começar uma conversa. Quando inicia um novo trabalho, fica sempre aflito, pensando o que estão achando a respeito dessa pessoa, se perguntando o que pode falar”.

“Quando você vive uma situação de bullying muito séria, há um desamparo muito grande, porque, de modo geral, a pessoa se culpa por aquilo. Normalmente, a que sofreu tem vergonha de falar sobre o assunto, como se ela fosse a culpada por ter acontecido. Então a vergonha, muitas vezes de falar, medo de se ver uma pessoa fraca – são pessoas que precisam se mostrar sempre muito fortes, muito capazes – também pode falar a respeito disso”, conclui.

O que fazer?

Caso notar que você sente tudo isso, a dica da psicóloga é procurar um especialista. Além disso, conversar com pessoas queridas, com quem se sinta à vontade para dividir sua experiência. Dessa forma, é possível ouvir alguém que vivenciou o mesmo que você e não se sentir sozinho.

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