A perda de um filho ainda durante a gestação é um luto muitas vezes silenciado. No curta-metragem “NILO”, esse silêncio se transforma em arte. O filme, concebido pela atriz e palhaça Daniella Dantas e pelo pianista Flávio Donasci, é uma homenagem ao filho que não pôde ficar — mas que deixou marcas profundas. Agora, a obra ganha visibilidade internacional ao ser selecionada para o Hot Docs, um dos maiores festivais de documentários do mundo, realizado em Toronto, no Canadá.
A dor que virou imagem e som
Durante o isolamento da pandemia, o casal enfrentou a despedida de seu único filho. Ainda assim, escolheram vivenciar a dor de forma consciente e compartilhada. Convidaram a fotógrafa de partos Fe Sophia para registrar o momento da chegada-despedida. O que inicialmente era um gesto íntimo se expandiu: os registros se tornaram base para a criação de um curta poético e potente.
Com direção de Isadora Carneiro e roteiro de Camila Lourenço, o filme é costurado por imagens documentais, memórias, performances e sons da natureza. A trilha sonora original, assinada por Talita Collado, aprofunda a dimensão sensorial da experiência. Desse modo, “NILO” constrói um espaço de reflexão sobre o luto, o amor e a permanência simbólica.
Um retrato íntimo e universal
A narrativa não se prende a uma cronologia tradicional. Pelo contrário, a montagem busca traduzir a subjetividade da perda e o tempo dilatado do vazio. Entre cenas captadas no parto e imagens posteriores, vemos Daniella em rituais de reconexão espiritual, na companhia de Flávio. Em cena, a palhaça “Sous-titre”, alter ego da atriz, expressa o inconsolável com delicadeza e humor silencioso.
A própria diretora explica: “A intenção era criar uma obra que acolhesse. Que dissesse: você não está sozinho nesse tipo de dor”. E consegue. Não à toa, o curta já teve destaque na França, ao integrar a competição oficial do 37º Cinélatino – Encontres de Toulouse, em março.
Vozes que rompem o tabu
“É como se ele nunca tivesse existido”, diz Daniella, sobre o modo como a sociedade ignora o luto gestacional. Por isso, o filme também atua como manifesto. Ao nomear o bebê, ao torná-lo visível na arte, o casal desafia o apagamento e afirma a potência desse vínculo.
No filme, o nome Nilo ganha duplo sentido: é o nome do filho, mas também é rio — fluxo contínuo de lembrança, ausência e amor. A própria sinopse do curta resume esse espírito: “Agora, ela vive uma rotina de ausência, preenchida pelo som das águas que a cercam”.
Reconhecimento internacional
Com 17 minutos de duração, “NILO” integra a 32ª edição do Hot Docs Canadian International Documentary Festival, que acontece de 24 de abril a 4 de maio, em Toronto. As sessões do filme estão marcadas para os dias 26 e 28 de abril.
Criado em 1993, o Hot Docs é o maior festival de documentários da América do Norte. A cada ano, reúne mais de 200 produções de diferentes países — e o destaque de um filme tão pessoal e sensível como “NILO” é sinal de que o tema, embora íntimo, encontra eco em plateias diversas.