Um mergulho entre realidade e fantasia
A literatura de Clarice Lispector atravessou décadas e fronteiras. Agora, ganha uma nova leitura sensível no cinema com Lispectorante, longa da diretora pernambucana Renata Pinheiro. A estreia está marcada para o dia 8 de maio, com distribuição da Embaúba Filmes.
O filme é protagonizado por Marcélia Cartaxo, que já deu vida à Macabéa em A Hora da Estrela. Aqui, ela interpreta Glória Hartman, uma artista madura que atravessa uma crise existencial e financeira. De volta à sua cidade natal, Glória encontra nas ruínas da antiga casa de Clarice, em Recife, um portal para a fantasia. Por meio dessa experiência, ela embarca numa jornada emocional repleta de descobertas.
Ruínas que despertam memórias
O cenário é simbólico. Abandonada como a própria protagonista, a casa carrega memórias, camadas de história e significados. A partir de uma fenda nas paredes, Glória começa a ver cenas fantásticas que transformam sua percepção da vida. Assim, o mundo concreto dá lugar ao imaginário.
“É uma fricção entre realidade e fantasia, vida real e filme”, resume Renata Pinheiro. A diretora, conhecida por trabalhos como Carro Rei e Amor, Plástico e Barulho, constrói uma narrativa que flerta com o surreal, mas sem perder o chão da crítica social. Ao mesmo tempo, o longa propõe uma reflexão sobre como lugares e histórias se cruzam.
Ecos da obra de Clarice
Embora não seja baseado em uma obra específica, o longa faz referências sutis a textos como Restos de Carnaval e A Paixão Segundo G.H.. Além disso, há citações diretas da escritora ao longo do roteiro. O espírito de Clarice está presente nos temas — introspecção, amadurecimento, liberdade criativa — e na forma como a narrativa se desenha.
“Clarice foi uma escritora que não seguia padrões. Sua escrita transitava do trivial ao profundo com extrema liberdade”, destaca Pinheiro. Por isso, é essa liberdade que ela busca evocar no filme — tanto na linguagem quanto na forma de conduzir a história.
Uma crítica sensível à cultura esquecida
Mais do que uma homenagem, Lispectorante também lança um olhar crítico sobre o descaso com a memória e os artistas brasileiros. “Diante da casa de uma escritora mundialmente conhecida, víamos o abandono de uma cidade, de seus artistas e da sua história”, afirma a diretora.
Ao ambientar o filme no bairro da Boa Vista, tradicional reduto judeu do Recife, a obra ancora-se em uma geografia rica em simbolismo. Ainda assim, o tom permanece poético, costurando crítica e sensibilidade.
Um convite à introspecção
Lispectorante é, acima de tudo, um filme sobre reinvenção. Ao redescobrir a si mesma através da arte e da imaginação, Glória reativa sua sede de viver — mesmo entre escombros. É um gesto de resistência criativa. Assim, o longa se torna um tributo delicado a Clarice Lispector e às mulheres que, como ela, reinventam mundos a partir do silêncio e do caos.