Com uma trajetória marcada pela originalidade e pelo respeito à tradição artesanal, Sarah Chofakian transformou sua paixão por sapatos em um legado no mercado de luxo. Autodidata na arte da sapataria e com formação em psicanálise, ela encontrou um caminho único para unir criatividade, conforto e sofisticação em cada uma de suas criações.
À frente de sua marca há quase três décadas, Sarah imprime em seus sapatos a delicadeza do trabalho manual e a preocupação com a durabilidade e a qualidade, tornando cada peça uma verdadeira obra de arte. Neste bate-papo, a estilista compartilha sua visão sobre moda, seu processo criativo e o compromisso com a sustentabilidade e a inovação, sempre mantendo a essência de um design atemporal e autêntico.
Sarah, sua trajetória no mundo da moda é bastante única, especialmente pela combinação da psicanálise com a arte da sapataria. Como essas duas influências se entrelaçam no seu trabalho e de que forma impactam suas criações?
O principal para mim foi descobrir logo cedo que fazer o que encanta é fundamental. Sem esse envolvimento, nada se constrói a longo prazo. Além disso, foco e disciplina levam você aonde quer chegar. Na psicanálise, descobri isso muito cedo, pois entrei na faculdade aos 17 anos, e essa base foi essencial para ir em busca dos meus desejos, levando tudo muito a sério. Também me proporcionou a habilidade de lidar com equipe e me conectar com pessoas que pensavam de forma parecida profissionalmente, o que significa muito para mim. Em outras palavras, trouxe a produtividade como algo fundamental na vida de todos nós.
Durante o período da psicanálise, li muito os ensinamentos de Lacan e aprendi a importância da produtividade para todo ser humano. Entendi que, sem usar minha capacidade produtiva, não seria feliz.
Você é autodidata na arte de criar sapatos e, ao longo dos anos, desenvolveu uma técnica de criação exclusiva. Pode nos contar mais sobre esse processo e o que torna cada modelo da sua marca uma peça única?
Sim, na verdade, não estudei administração, moda ou design, o que a princípio achei que poderia dificultar alguns caminhos. No entanto, quando comecei a atuar nessa área, fui aos poucos descobrindo que existia um talento nato, que me impulsionou rapidamente. Com o feedback de pessoas importantes que conheci ao longo do caminho, fui ganhando cada vez mais segurança e a certeza de que estava no rumo certo.
Eu sentia que gostava mais da segunda-feira do que do sábado, pois me sentia muito feliz trabalhando e construindo cada peça do meu patrimônio. Além disso, sempre acreditei na minha capacidade de inventar meu próprio jeito de criar. Como não fiz um estudo técnico para este ofício, desenvolvi meu próprio método: fazia um desenho expressando a ideia para meu modelista, para que ele me entregasse uma primeira maquete do modelo. A partir disso, ficava com essa maquete por dois ou três dias, remodelando, recortando e construindo uma pequena escultura do que queria como peça final. Sempre calcei e testei as maquetes no meu próprio pé. A decisão se concretizava quando eu chegava a um formato que eu mesma usaria em um dia importante de trabalho, que me proporcionasse praticidade, leveza e a elegância necessária para me apresentar ao mundo.
Dessa forma, fui criando modelos que, aos poucos, foram considerados obras de arte. Acima de tudo, nunca deixei de combinar minhas vontades com uma disciplina de trabalho inquestionável e uma imensa determinação para que tudo desse certo. Desistir jamais. Essa força de vontade faz parte do meu DNA.

Sua marca é conhecida por seu compromisso com a produção artesanal e o uso mínimo de maquinário. Quais são os maiores desafios e benefícios desse processo manual e como ele contribui para a qualidade e exclusividade de seus sapatos?
Tenho um DNA que gosta de cuidar. Cuido muito das minhas coisas, das pessoas que amo, das que trabalham comigo e de mim mesma – com alimentação equilibrada, yoga diária e hábitos saudáveis que sempre tento compartilhar com as pessoas próximas. Também cuido muito bem do que possuo, e tudo o que compro costuma durar bastante.
Acredito que não faria sentido para mim criar algo descartável, sem qualidade. Além disso, meus parceiros têm valores semelhantes aos meus, e estamos muito conectados. Alguns cresceram junto comigo e já estão na segunda geração profissional dentro da mesma empresa. O trabalho artesanal, para mim, tem outro valor e respeita o mundo e a natureza.
Com mais de 20 anos de história, a Sarah Chofakian cresceu e se consolidou como referência no mercado de luxo. Como você vê a evolução da marca ao longo desse tempo e de que maneira ela se mantém relevante para a mulher contemporânea?
Na verdade, a marca está celebrando 30 anos este ano. É um legado de conceitos e informações. Eu mudei muito pouco, mas vejo que construí, acima de tudo, um grande respeito, e isso é o mais gratificante. As pessoas que já me conheceram não se esquecem e, frequentemente, me param na rua para contar histórias que viveram com meus sapatos e o quanto essas peças foram e ainda são importantes para elas.
Tenho clientes da terceira geração usando minhas novas coleções, que me contam que suas avós só usavam Sarah Chofakian. Vocês podem imaginar o que isso significa para mim?

A sustentabilidade e o respeito pelas técnicas tradicionais de produção são pilares fundamentais em sua marca. Como você equilibra o luxo e a inovação com a preservação da tradição artesanal em seus produtos?
Nossa linha Sarah 100% artesanal preserva técnicas centenárias na construção dos sapatos porque, até hoje, essa continua sendo a melhor abordagem. Trata-se de uma produção slow fashion, que respeita a natureza, aproveitando 100% das peles de animais criados para alimentação – materiais que, se descartados, poderiam se tornar tóxicos ao meio ambiente. Essas peles são tratadas para serem usadas de forma qualificada e durável, e temos todo o cuidado na escolha de nossos parceiros fornecedores, garantindo que sigam os selos apropriados para os cortes.
Com a crescente demanda por conforto e estilo, especialmente em tempos de vida acelerada, como você garante que suas criações atendem tanto à estética quanto à praticidade que as mulheres buscam no dia a dia?
Viajo muito e acompanho o movimento global, tendências de comportamento, avanços tecnológicos e, claro, moda. Também participo anualmente da conferência Voices, um encontro visionário promovido em Londres pelo Business of Fashion (BoF), fundado por Imran Amed e Tim Blanks. Durante quatro dias, mergulhamos em atualizações intensas que mal posso descrever… Mas sempre volto inspirada, cheia de ideias e com muita vontade de colocar tudo em prática.
Acima dessas atualizações, meu lema sempre foi criar sapatos para mulheres ativas no mercado, que precisam de um calçado confortável e de qualidade, capaz de representá-las bem – sem abrir mão de um estilo único e elegante.