As fake news sobre saúde sempre foram um problema, mas, nos últimos anos, a desinformação tem se infiltrado de maneira alarmante na oncologia. O impacto vai além da disseminação de informações falsas: muitas vezes, esses conteúdos afastam pacientes de tratamentos cientificamente comprovados, colocando vidas em risco.
O diagnóstico de câncer costuma ser um momento de extrema vulnerabilidade. Diante da incerteza, é natural que muitos recorram à internet e às redes sociais em busca de respostas. No entanto, essa busca pode ter efeitos devastadores. “As pessoas compartilham informações imprecisas sobre saúde desde sempre, mas as mídias sociais potencializaram esse fenômeno. O algoritmo prioriza o engajamento, não a qualidade da informação. Assim, mesmo postagens desmentidas continuam circulando, ampliando o ciclo da desinformação, que é extremamente prejudicial e cruel para pacientes oncológicos”, alerta o oncologista Dr. Ramon Andrade de Mello, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia.
Estudos já comprovaram o alcance do problema. Análises sobre os quatro tipos mais comuns de câncer indicam que um em cada três posts contém informações falsas ou enganosas. Além disso, a maioria dessas postagens promove tratamentos sem comprovação científica, sugerindo alternativas ineficazes às terapias recomendadas. “Uma parte substancial do conteúdo nas redes sociais apresenta viés e desinformação. Pior ainda, esses vídeos tendem a receber mais curtidas e visualizações do que aqueles com informações corretas”, explica o médico.

O perigo das promessas milagrosas
Casos de desinformação não faltam. Em um dos vídeos amplamente compartilhados, por exemplo, recomenda-se injetar ervas na próstata como forma de tratar o câncer – um método sem respaldo científico e potencialmente perigoso. “A solução para esse problema não é simples, mas cabe aos médicos manter um canal de comunicação aberto com os pacientes, ouvindo suas dúvidas sem julgamentos. É essencial trabalhar em parceria com eles, esclarecendo informações e oferecendo fontes confiáveis”, orienta o Dr. Ramon.
Muitas dessas fake news se baseiam na ideia de que a indústria farmacêutica não tem interesse em curar o câncer. Com isso, oferecem tratamentos alternativos supostamente mais seguros e eficazes. No entanto, a realidade é outra: um estudo publicado em 2017 revelou que pacientes que optaram por terapias alternativas em vez dos tratamentos convencionais tiveram um risco significativamente maior de mortalidade.
Os danos da desinformação vão além dos riscos físicos. Segundo o oncologista, o problema inclui desde os efeitos adversos de tratamentos não testados até o adiamento de terapias comprovadas. Além disso, há o impacto financeiro, com pacientes gastando dinheiro em soluções ineficazes. “Vídeo, tom de voz e até mesmo o design das postagens influenciam a forma como as pessoas assimilam informações. Por isso, precisamos reforçar a importância da ciência”, destaca.
Informação correta salva vidas
Diante desse cenário, a principal recomendação do especialista é clara: confiar no médico. “A desinformação não é um problema novo, mas se tornou mais acessível e influente. Alguns mitos levam pacientes a hesitar diante de tratamentos que realmente funcionam. Nessas situações, o ideal é acolher as dúvidas com empatia, abrir espaço para esclarecimentos e garantir que todas as decisões sejam baseadas em evidências”, ressalta o Dr. Ramon.
Até mesmo mudanças na alimentação e o uso de suplementos naturais devem ser discutidos com o médico. “Certos suplementos podem interagir negativamente com os tratamentos, assim como dietas restritivas podem comprometer a qualidade de vida do paciente”, alerta. “O câncer é um desafio, mas a oncologia avançou muito. Hoje, há medicamentos quimioterápicos e biológicos que permitem a remissão da doença e, muitas vezes, a cura.”
O papel das mídias sociais na disseminação de informações confiáveis
Se, por um lado, as redes sociais amplificam a desinformação, por outro, também podem ser usadas para combatê-la. Para isso, é fundamental que médicos e especialistas compartilhem conteúdos baseados em ciência, garantindo que descobertas recentes alcancem o público de maneira acessível.
“Sociedades médicas, periódicos e organizações devem ser ativas nas redes sociais, fornecendo informações confiáveis e educativas”, reforça Maria Alice Amoroso Nunes, jornalista e CEO da Holding Comunicações, empresa especializada na divulgação de conteúdos médicos há três décadas. Ela destaca, ainda, a necessidade de entender como e por que a desinformação se espalha, a fim de combatê-la sem amplificar seu alcance.
Em tempos de fake news, buscar fontes seguras e ouvir profissionais qualificados é mais do que uma recomendação – é uma questão de vida ou morte.